Frio

Noites frias de julho em São Paulo. Nem mesmo as muitas camadas de roupa ou lençóis preenchem o frio que sinto por dentro. Bem, não culpo o clima gélido, aliás, se eu estivesse em outra parte do Brasil como norte ou nordeste não estaria frio agora, mas sim dentro de mim. Gosto quando o clima corresponde com o meu humor. Quando os dias são nublados eu não me sinto tão culpado por estar deprimido.

Confesso, queria estar com ela, nossos corpos estariam próximos e não seria o calor do meu corpo que eu estaria sentindo e sim a chama que vem dentro de mim.

No começo de julho ela disse adeus.Pearl, me largou, me traiu um pouco antes da frente fria vir. Mas sabe? Estou feliz isso ter acontecido em julho. Pearl sabia o por que eu gostava de climas frios e cinzas (que não fossem pela poluição de São Paulo), então talvez seja por isso que ela tenha escolhido me contar a verdade nessa época. Ou talvez não, porém, quero acreditar que ela pensou em mim e como eu me sentia por um momento.

Bem, nós não nos casamos por amor, e sim por status. Aquelas lindas histórias de casamento arranjando que o casal vai vivendo juntos e se apaixonando um pelo outro. No entanto, isso só aconteceu comigo, ela não conseguiu me amar de volta. Parl sentia mais calor com qualquer outra pessoa do que comigo.

Ela não me amava desde o começo, eu sabia disso, pois, nunca vi amor em seus olhos quando estamos juntos. Eu realmente sabia toda a verdade, mas eu queria ser um tolo apaixonado. No final ela disse sentir muito e nunca foi capaz de me amar.

Ela me preenchia, só a sua presença era capaz de fazer o meu coração sentir coisas que jamais vou gozar novamente. Não culpo Pearl, ela também sentia frio, um frio que nunca fui capaz de preencher.

Ela não se importava se o outro homem só estivesse usando ela, Pearl era como eu, não importando se a pessoa realmente a amava, contando que ela desse aquele sentimento cálido. O que sentia lá dentro e nada mais importava.

Quando ela me contou a verdade o meu corpo parou de funcionar, e daí que ela estava fingindo tudo? Eu tinha comprado um ingresso para aquela peça.

Mas eu senti que tudo aquilo tinha finalmente acabado. Eu sabia que aquela peça alguma vez teria que chegar ao seu ato final. Fiquei feliz por acompanhar até o final, e mesmo que o fim fosse aquele e eu não poderia simplesmente comprar outro ingresso, senti alegria por tudo aquilo. Era como se ela já estivesse indo embora há muito tempo, e eu só não estava passando a reprise daquele ato. Lágrimas saíram dos meus olhos sem eu perceber. Não me lembro o porque aquelas lágrimas. Alegria ou tristeza?

Olhei para Pearl naquele momento e ela simplesmente não conseguia me olhar nos olhos, era como se estivesse envergonhada por algo. Talvez por ter me deixado por aquela babaca, talvez ela se sentisse culpada por sentir calor quando estava com ele.

No momento eu fingi entender ela, só fingi, como ela fez quando falou que se importava comigo e tinha sentimentos por mim.

Realmente pensei que poderíamos tentar salvar um ao outro. Desafiei-me a tentar, já Pearl, nem ao menos se importou. Provavelmente para ela não tinha motivo para tentar salvar algo que nunca existiu.

Realmente, ela já sentia algo por mim além de desprezo? Quando eu sentia que ninguém mais me compreendia ela estava lá para estender a mão, me confortar com as suas mentiras baratas e planejadas, falsidades reconfortantes. Eu sabia, mas queria acreditar que elas eram verdadeiras.

Ter algo para lhe esquentar mesmo que fosse falso era melhor que nada, eu pensava assim. Só queria que ela me amasse como eu a amo. Ter alguém que lhe ame é melhor que amar sozinho. Fiz tudo isso para ela mesmo assim, Pearl me descartou como eu fosse um boque de rosas murchas.

Não suporto estar sem ela, porém, julgo que esse não é o caso de Pearl.

Enquanto, tenho vontade de largar esse assento e sair sem olhar para trás tenho medo, tenho terror do frio que me consome. Mas agora, nem mesmo a porcaria do meu sangue que corre pelas minhas veias e que o meu coração bombeia me fazem sentir quente. Merda, eu era algum sapo por acaso?

Eu me apaixonei por aquela peça de péssima qualidade, um show que ninguém em sã consciência compraria o ingresso por pura vontade de ser preenchido com aquelas palavras de última categoria.

Agora que ela acabou e todos os atores foram embora, a única coisa que me resta fazer é partir e lembrar dos momentos ruins, mas estranhamente cálidos juntos.