Nossos ossos
“Você tem visto Mickael recentemente por aqui?”
Pergunto para o meu amigo.
Ele me olha um pouco e depois dá uma tragada ao seu baseado… Metanfetamina.
“Tu sabes que eu não revelaria isso facilmente, seu irmão é… Bem, você sabe. Mas como tu eres a minha melhor amiga, vou lhe dar essa informação. Sim, eu tenho visto ele muitas vezes. Peguei algumas coisas com ele sábado passado."
Ele deu outra tragada no baseado.
“Quer um pouco?”
Ele pergunta enquanto bota o cigarro em minha direção.
“Não obrigada. Tenho que voltar. Já está escurecendo."
Digo olhando para o céu, pincelado com manchas laranjas e roxas que chamam a noite.
Volto para casa a pé. Já tinha escurecido quando cheguei. Abri a porta e ela está aberta. Ele está aqui, finalmente ele voltou.
Entro na sala e vejo aquele corpo magro e pálida estendido no sofá. Com cabelos pretos e olhos como de um morto ele me olha de cima para baixo. Me julgando enquanto fuma algo, ainda não consigo compreender o cheiro.
"Tu voltaste…"
Falo baixo.
"Sim…"
Ele fala como se desaparecer por dias e não der sinal para a sua única parente viva não tivesse sido nada de mais.
"Fiquei preocupada… Pensei…"
"Penso o quê?!"
Ele diz irritado.
"Que eu tinha morrido como a mamãe? Que tinha deixado você como ela fez conosco?! Não seja uma garota idiota, Rub."
Fico em silêncio olhando para os pés dele. Não consegui falar nada. Só olhar para baixo.
Ele se levanta do sofá e se aproxima de mim. Ele passa os seus dedos longos e delgados em meu cabelo. Botando uma mecha de cabelo atrás da minha orelha.
Mickael se aproxima e bota a sua testa na minha.
"Desculpe, irmã. Sei que você se importa demais. Mas…"
Ele se afasta um pouco.
"Não seja uma garota burra, sei me cuidar."
Não falo nada. De modo algum queria que ele fosse embora novamente, não por enquanto.
..
Um dia, Keith me chamou para ver um show da banda de um amigo dele. Concordei já que não tinha nada melhor para fazer.
Quando cheguei, o local estava muito cheio para o que eu tinha imaginado, a banda devia ser popular nesta cidade.
Enquanto as pessoas se divertiam e os membros da banda davam tudo de si no palco. Fiquei olhando para o guitarrista. Ele tinha cabelos descoloridos e olhos azuis, meio chapados.
O que eu mais gosto das músicas e quando elas seguem normais, porém, em algum momento o vocalista grita... Como se estivesse dando tudo se si naquela música. Ele não gritava em toda ela e sim naquela parte. E, foi isso que o guitarrista fez. Fiquei olhando para ele hipnotizada. Quando ele terminou de gritar… Pode ter sido impressão minha, ou talvez não, mas ele olhou diretamente para mim. Assim que ele abriu os olhos.
Depois da festa, Keith me convidou para conhecer os amigos deles que tocavam na banda. O guitarrista era Lorenzo. Quando ele me olhou ele deu um leve sorriso. Eu sorri de volta, então começamos a conversar. Fiquei com o número dele, no final. Nunca usei.
Descobri que Mickael também estava no show quando cheguei em casa.
"Quem era aquele rapaz? Vocês pareciam próximos."
Eu sabia de quem ele estava falando, então não quis esconder nada.
"Era o vocalista da banda que estava tocando... Ruth conhece ele então nos apresentou."
Ele se virou diretamente para mim e me olhou com aqueles olhos pretos. Eu odiava quando ele fazia isso, parecia a morte me encarando.
"Você estava sorrindo com ele. Tu parecia feliz. Tu sabes que pessoas como ele, não valem nada, né, irmãzinha?"
Tem uma estranha aura de ameaça em sua fala.
"Eu... Sei…"
Concordo.
Não importa quem Lorenzo era. Meu irmão não me queria com ele. E o meu irmão é mais importante, se ele for eu não vou ter nada oficialmente. Vou perder a última pessoa que se importa comigo, mesmo que não demonstre muito. Tenho seu sangue, seu DNA. Os nossos ossos estão ligados, como se fossemos um só.
..
Depois de alguns dias acordei e o meu irmão não estava mais lá. Pensei que ele havia saído e só voltaria em alguns dias se eu tivesse sorte, se não, um mês seria o mínimo. Ele não havia deixado nenhum aviso como das outras vezes, mas quando ele deixou?
Não fiz nada o dia todo. Fiquei só deitada na minha cama. Ele não estava lá, e se ele não voltasse? Nas outras vezes também parecia que ele não ia voltar. Fiquei me remoendo pelas coisas que fiz de errado. Será que Mickael se enjoou de mim?
À noite, quando eu ainda estava deitada na cama, recebi uma ligação de Keith, ele estava me chamando para ir à casa dele comer pizza com alguns amigos.
Será que Mickael voltaria? Eu não devia ir embora. Olhei o relógio e eram 21:30. Talvez eu devesse esperar mais. Porém, meus pensamentos foram interrompidos por Keith insistindo para eu ir. Meu irmão não voltaria, eu sabia disso, no fim escolhi ir.
Quando cheguei lá havia muitas pessoas conhecidas, então esse era o bom. Confesso que me diverti muito, não havia me sentido assim por muito tempo, nem com ele.
Ficamos lá, comendo e conversando por longas horas. Bebi demais e acabei dormindo lá mesmo, eu deveria voltar para casa, receber Mickael quando ele voltasse, no entanto, meu corpo não se movia e meu sono era maior.
Acordei no dia seguinte às 13:30. Droga. Havia se passado muitas horas. Peguei o meu celular para ver se tinha mensagem deles, entretanto, não tinha nada, nenhum aviso se quer.
Como pensei que ele não havia voltado eu aproveitei para almoçar com Keith e depois ir para casa, péssima escolha.
Quando cheguei em casa a porta estava destrancada. Achei estranho, pois, me lembrava de tê-la fechado, então um arrepio bateu na minha espinha. Entrei em casa rapidamente e corri pelos cômodos, cozinha, sala, banheiro, ele não estava lá. Então subi para o meu quarto, a porta estava entreaberta. Entrei com cuidado. Lá estava ele, em frente a minha penteadeira.
“Onde tu estavas?”
Ele falou calmo, mas sabia haver algo a mais com a sua voz, como se fosse…
“Onde você estava?!”
Meu irmão falou novamente só que com um tom mais autoritário.
“N-na casa de Keith!”
Falei assustada.
Ele se virou para mim com aqueles olhos, eu odiava aquilo. Por que ele me olhava assim?! Eu era irmã dele, não algo inferior. Aqueles olhos como se visse uma escória.
“Tu sabes que não deve sair até tarde e não dormir na casa dos outros sem avisar.”
“E-eu pensei que tu não fosses voltar…”
"Não importa!"
Ele gritou.
"Tu deverias estar aqui, sabe como fico preocupado com você."
“Eu…”
Eu estava lacrimejando.
“Eu também fico preocupada com você! Tu sempre sais sem me avisar e não aparece por dia! Nem ver as minhas mensagens ou atender às minhas ligações!”
Assim que terminei de falar senti algo quente e ardendo nas minhas bochechas. Foi um tapa seco que logo foi coberto pelas minhas lágrimas.
“Tu és burra? Sou um homem e sei me cuidar. Mas tu…
Olhei para cima e vi aqueles olhos novamente, eram piores que antes. Sou tão desprezível assim?
Meu rosto está só em lágrimas.
"Tudo bem… Tudo bem… Estou aqui. Não vou fazer o que ela fez conosco. Não vou te machucar. Nunca irei lhe largar. Tudo vai ficar bem. Sou seu irmão."
Ele me toca com gentileza, suas mãos macias tocam a minha costa dando leves batidinhas.
"Estou aqui…"
Ele me segura nos ombros, com um aperto firme mais suave. Ele me olha com aqueles olhos gentis. Estou aqui.
Não paro de chorar.
"Olhe para mim, irmã. Assim tudo vai ficar bem."
Mickael continua me segurando firme enquanto eu choro.
"Olhe para mim… Olhe para mim…"
Olhe para aqueles olhos cheios de compaixão.
O seu aperto começa a ficar mais firme, mais pesado.
"Olhe para mim… Olhe para mim…"
Olhe para aqueles olhos gentis.
Não paro de chorar.
As suas unhas dele agarram os meus ombros.
"OLHE PARA MIM, RUB!"
Ele grita.
"Não! Eu não vou olhar para você!"
Não irei olhar para aqueles olhos escuros como a morte!
Fui imprudente. Peguei aquela tesoura e enfiei naquele abismo.
"Aaahhh!!"
Ele soltou um grito infernal!
"O que você fez?!"
Ele diz enquanto segura a mão no olho que está saindo sangue. Talvez o vermelho melhore a escuridão. Tenho que fazer isso com o outro.
"Sua puta! Venha aqui que vou lhe dar uma lição que você vai se arrepender para sempre."
Ele começa a correr atrás de mim.
Pego e enfio a tesoura no outro olho dele.
"Aaaaahhhh! Por que fez isso? "
Ele grita. Ele parece tão confuso e miserável agora.
"Você vai pagar com isso."
Ele tenta me agarrar, mas ele não enxerga nada.
Tudo está vermelho. Seus olhos já não me assustam.
..
Depois daquele ocorrido levei ele para o hospital. Ele está cego agora. Ele não me denunciou, aliás, não podemos nos separar.
Chego na sala de hospital para visitar ele.
Mickael está com uma faixa branca na cabeça cobrindo os olhos. Já não tem mais sangue nem morte. Apenas a paz, não quero que ele tire elas.
"Estou aqui."
Falo, mas ele ficou calado. Ele está com a cabeça virada.
Sento-me no assento próximo da sua cama e seguro a mão dele.
"Estou aqui, mano."
Aperto a mão dele.
"Por você…"
Ele não fala nada, mas sinto a sua mão apertando a minha de volta.
Nota do autor: essa história é basicamente diálogos, mas escrevi mesmo assim...
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